Mulheres com Diagnóstico Tardio de Autismo e a Necessidade de um Cuidado Holístico e Humanizado

30 de jul. de 2025

Muitas mulheres com autismo passam a vida sem um diagnóstico, mascarando sua hipersensibilidade e as nuances de suas características autistas para se encaixar. Descubra como a Gestalt-terapia se torna um diferencial em minha prática, oferecendo um caminho para a autodescoberta e o bem-estar, mesmo após anos de incompreensão.

O autismo, por muito tempo, foi majoritariamente associado ao sexo masculino, criando um estereótipo que, infelizmente, obscureceu a realidade de inúmeras mulheres. Essa visão limitada levou a diagnósticos tardios ou até mesmo à ausência de diagnóstico para muitas mulheres, que, por sua vez, acabam enfrentando desafios únicos e complexos em suas vidas. Como psicóloga, tenho observado de perto as lacunas no cuidado a esse público e a urgência de um olhar mais atento e sensível.

Historicamente, os critérios diagnósticos do Transtorno do Espectro Autista (TEA) foram baseados em estudos e observações de meninos. As características autistas em meninas e mulheres, no entanto, frequentemente se manifestam de maneira diferente. Elas tendem a mascarar seus traços autistas – um fenômeno conhecido como camuflagem ou masking – desenvolvendo estratégias sociais para se encaixar e evitar o julgamento. Essa capacidade de "se misturar" pode levar a um atraso significativo no diagnóstico, que muitas vezes só ocorre na adolescência ou idade adulta.

As consequências desse diagnóstico tardio são profundas. Muitas dessas mulheres passam a vida se sentindo "diferentes", "inadequadas" ou com a sensação de não pertencer. Essa ausência de entendimento sobre si mesmas pode levar a quadros de ansiedade, depressão, transtornos alimentares e esgotamento mental. Além disso, a hipersensibilidade é uma característica frequentemente presente, mas muitas vezes subestimada ou mal interpretada. Para essas mulheres, o mundo pode ser avassalador: um barulho repentino, uma luz muito forte, o toque de certas texturas nas roupas ou odores intensos podem não ser apenas incômodos, mas verdadeiramente dolorosos ou desorientadores. Essa sobrecarga sensorial constante contribui para o estresse e a fadiga, tornando o cotidiano uma batalha silenciosa. Elas podem ter dificuldade em manter relacionamentos, empregos e em lidar com as demandas do dia a dia, sem compreender a raiz de suas lutas. A falta de um diagnóstico e do suporte adequado impede que elas desenvolvam estratégias eficazes para gerenciar suas dificuldades e potencializar suas forças.

Diante desse cenário, torna-se imperativo que profissionais da saúde mental, especialmente psicólogos, estejam preparados para reconhecer as nuances do autismo em mulheres. É fundamental que os profissionais busquem conhecimento sobre as apresentações atípicas do TEA em mulheres, incluindo as estratégias de camuflagem e as comorbidades frequentemente associadas, além de uma compreensão aprofundada da hipersensibilidade sensorial e suas manifestações no dia a dia. Precisamos acolher as narrativas dessas mulheres com sensibilidade, valorizando suas experiências e percepções; muitas chegam ao consultório com uma longa história de incompreensão e frustração.

Na minha prática clínica, a Gestalt-terapia se revela um diferencial poderoso no cuidado a essas mulheres. Ao invés de focar apenas em déficits, a Gestalt-terapia nos convida a trabalhar com a pessoa na sua totalidade, no aqui e agora. Isso significa que, mesmo com um diagnóstico tardio, o foco está em como a mulher autista experiencia o mundo neste momento, como ela percebe suas sensações (incluindo a hipersensibilidade), suas emoções e seus relacionamentos. Através do diálogo e da experimentação em sessão, busco ajudá-las a aumentar a consciência sobre si mesmas e sobre o seu ambiente, entendendo como suas características autistas se manifestam em suas vidas. Isso inclui explorar como a camuflagem e a hipersensibilidade afetam suas escolhas, suas interações e seu bem-estar.

Os instrumentos de avaliação devem ser adaptados e complementados por uma observação cuidadosa das interações sociais, padrões de comunicação e interesses restritos, sempre considerando as particularidades femininas e as formas sutis como a hipersensibilidade pode impactar seu comportamento e bem-estar. O tratamento psicológico deve focar não apenas nas comorbidades, mas também no desenvolvimento de autoconhecimento, aceitação e estratégias de enfrentamento que promovam a qualidade de vida. O suporte pode incluir terapia cognitivo-comportamental, habilidades sociais e psicoeducação, com um foco especial em como gerenciar a sobrecarga sensorial e criar ambientes mais toleráveis. Na abordagem gestáltica, auxiliamos a mulher a "fechar suas gestalts" – ou seja, a completar experiências, a integrar partes de si que foram fragmentadas ou negadas, e a encontrar um sentido para suas vivências. Essa abordagem permite uma compreensão mais profunda da identidade autista, promovendo a autoaceitação e a busca por um estilo de vida mais autêntico e satisfatório. É nosso dever desmistificar a imagem do autismo, contribuindo para uma sociedade mais inclusiva e informada, que reconheça e apoie a diversidade do espectro.

O diagnóstico de autismo na vida adulta, embora tardio, representa um divisor de águas. Ele oferece um novo olhar para a própria história, permitindo que a mulher se compreenda melhor e, finalmente, busque as ferramentas necessárias para florescer. Como psicólogos, e em especial através da Gestalt-terapia, temos a responsabilidade e a oportunidade de fazer a diferença na vida dessas mulheres, oferecendo-lhe não apenas um diagnóstico, mas um caminho para a autodescoberta e o bem-estar por meio de um cuidado verdadeiramente holístico e humanizado.

Para aprofundar seu conhecimento sobre o autismo em mulheres e o diagnóstico tardio, sugiro as seguintes fontes:

  • Bargiela, S., Steward, R., & Mandy, W. (2016). The Experiences of Girls and Women with Autism Spectrum Disorder: A Systematic Review. Journal of Autism and Developmental Disorders, 46(10), 3281-3299.

  • Dean, M., Harwood, R., & Kasari, C. (2017). The art of camouflage: the experiences of young women with autism spectrum disorder. Autism, 21(6), 633-642.

  • Kirkovski, M., Enticott, P. G., & Fitzgerald, P. B. (2013). A review of the role of female gender in autism spectrum disorders. Journal of Autism and Developmental Disorders, 43(11), 2584-2603.

  • National Autistic Society (UK): Autism in women and girls. https://www.autism.org.uk/advice-and-guidance/what-is-autism/autism-in-women-and-girls (Verifique a disponibilidade e atualização da página).

  • Perls, F., Hefferline, R., & Goodman, P. (1951). Gestalt Therapy: Excitement and Growth in the Human Personality. Este é um texto fundamental para entender os princípios da Gestalt-terapia.

Esse é um artigo de opinião, de autoria própria redigido por Bárbara Hirle - Psicóloga CRP 06/209534

Reprodução autorizada, desde que seja atribuído o devido crédito, conforme a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98).

Bárbara Hirle - Psicóloga Clínica © 2025. Desenvolvido por 🧡 Be Seven

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